Fichamento do texto:
ZAPPONE, Mirian H.Y.;
WIELEWICKI, Vera H.G. Afinal, o que é literatura? In: BONNICI, Thomas; ZOLIN,
Lúcia Osana (Orgs). Teoria Literária: abordagens históricas e tendências. 3ª
ed. Maringá: Eduem, 2009, p19-30.
|
“[...] ficamos com a impressão de
falar de um objeto, a literatura, como um fato concreto, imediato, pronto e
acabado, como se sempre tivesse sido assim.” (p19)
|
|
Quando se pensa em “o que é literatura”, a
primeira coisa que vem à mente são obras conhecidas há muito tempo, como: os
lusíadas, de Camões; dom casmurro, de Machado de Assis etc. Mas nem sempre
foi assim. Essa ideia de literatura como algo mais específico, como criação
artística que gera um conjunto de textos, só foi desenvolvida na segunda
metade do século XVIII e formada, de maneira mais completa, no século XIX.
|
|
“[...] em meados do século XV surgem
termos correlatos de literatura nas
línguas europeias modernas. [...] no intervalo de tempo entre meados desse
século e meados do século XVIII [...] o uso desse termo nas diversas línguas
estava, entretanto, muito longe de abarcar o caráter especializado com o que
vemos hoje.” (p20)
|
|
A literatura não correspondia a uma
produção artística, mas a um conjunto de textos de diversas áreas do saber:
da gramática, matemática, filosofia, história e tantos outros textos que
pudessem proporcionar um vasto conhecimento, ou seja, ela estava relacionada
à capacidade de ler e possuir erudição.
|
|
“[...] a partir do final do século XV
a reprodução de materiais escritos começou a transferir-se das mãos dos
copistas para a oficina do impressor [...] a literatura passou a ser adquirida de forma mais específica
através de textos impressos.” (p20)
|
|
A literatura já era bem restrita e com essa
transferência passou a ser atributo de poucos, das classes privilegiadas. Por
outro lado, CULLER (1999) afirma que “[...] na Inglaterra do século XIX, a literatura surgiu como uma ideia
extremamente importante, um tipo especial de escrita encarregada de diversas
funções.” p42 (itálico nosso)
Dentre essas funções citadas por CULLER, estão: proporcionar aos
trabalhadores, desprovidos materialmente, uma baliza na cultura, enaltecer o
nacional, as grandezas da Inglaterra, ou seja, a literatura foi transformada
em disciplina de instrução nas colônias do império Britânico. Isso mostra
que, a literatura deixou de ser atributo apenas das classes privilegiadas,
como no final do século XV, e passou a ser difundida, no século XIX, entre as
outras classes.
|
|
‘[...] no século XVIII que se
registraram as primeiras mudanças do uso de literatura como “conhecimento”,
“saber”, “erudição” para uso diferente, agora relacionado à ideia de “gosto”
ou “sensibilidade”.’ (p20) “[...] as ideias de gosto, de beleza e de
sensibilidade, através das quais se defendeu o argumento estético de
literatura, foram, sem dúvida, o resultado da atividade de setores dominantes
que exerceram a própria atividade do gosto como forma de disseminar seus
valores.” (p21)
|
|
A partir dessas primeiras mudanças, a
literatura foi adquirindo um sentido estético e de produção artística. Os
burgueses eram os leitores críticos que consideravam se um texto era
literário ou não de acordo com seus gostos, e o que era apenas um gosto
burguês, dos “amadores cultos”, passa, a partir do século XIX, ao poder da
crítica. Surge então uma nova disciplina, presente cada vez mais nas
academias e universidades. A literatura passa de produção com base apenas no
gosto burguês à produção crítica.
|
|
“[...] a especialização do termo literatura, enquanto texto de
caráter “imaginativo” ou “criativo”, tem sua contrapartida num fenômeno
também correlato ao desenvolvimento da sociedade capitalista.” (p21)
|
|
O argumento do texto literário como
criatividade humana servia de subterfúgio para desafiar as repressões
impostas pelo sistema capitalista e criticar as novas formas de práticas
trabalhistas, que privavam os indivíduos da vida social para que se
dedicassem exclusivamente ao trabalho.
|
|
“[...] a partir da segunda metade do século
XIX e início do século XX, busca-se definir literatura enquanto dado objeto,
concreto e observável. Surgem, nesse momento, propostas de definição de
literatura como conjunto de textos portadores de características que
corresponderiam a sua literariedade.” (p22)
|
|
Essa concepção de literatura enquanto
objeto concreto estava relacionada a certas característica estruturais e
textuais, próprias do texto literário, que o diferenciava do texto não
literário. E a partir daí surge a ideia de que as qualidades internas do
texto literário também poderiam ser observadas. Têm-se então as
características de literariedade, que são a desautomatização do texto
literário, ou seja, ele diferenciava-se dos textos comuns ao utilizar-se do
caráter estético, usando a imaginação e criando um mundo ficcional. Mas a
partir dessa visão de literatura como algo que provoca prazer e é voltado
para o lado estético, começam a surgir reações contrárias.
|
|
“[...] a partir da década de 60 do
século XX, começam a surgir várias reações a esse ponto de vista, cujos
argumentos centrais podem ser encontrados nas relações entre a literatura e
seus leitores, já que muitos autores observam que os fatores distintivos de
literariedade defendidos pelas correntes textualistas, não eram exclusividade
de textos literários, podendo também ser encontrados em textos de natureza
referencial.” (p23)
|
|
As correntes textualistas diziam que a
literatura tinha características textuais específicas que as diferenciavam
dos textos não-literários. Mas por outro lado, assim como essas reações
contrárias citadas pela autora, ABREU, Márcia. (2006) também afirma que
“[...] nem todo texto literário faz um
uso artístico da linguagem e que um uso artístico da linguagem não garante
que o texto seja tido como literatura. Da mesma forma, nem toda ficção é
literária assim como nem toda literatura é ficcional.” p35-36 (itálico nosso) A partir daí, a
discussão acerca do que é literatura sai do ponto em que ela é definida como
texto com características próprias, que as diferenciavam do texto referencial
e passa a centrar-se no leitor, pois o texto só existiria a partir da leitura
e da interpretação do leitor.
|
|
“Até o século XVIII, o público leitor
era claramente definido: havia “a sociedade polida”, intelectualizada e
interessada, tanto pelas artes, quanto pela manutenção de valores morais, e
os incapazes de ler, dedicados ao trabalho braçal, com os quais a produção
crítica e literária não precisava, grosso modo, se preocupar. A partir daí,
entretanto, vai surgindo uma classe de leitores intermediária [...] essa nova
classe de leitores burgueses é fortalecida, com suas novas necessidades, o
conhecimento especializado vai se definindo, tornando o trabalho do homem de
letras extremamente complicado.” (p25-26)
|
|
O trabalho do homem de letras, que era
feito de forma amadora, torna-se difícil, pois antes ele escrevia para um
público não intelectualizado, contudo, uma classe mais exigente, a nova
classe dos burgueses, surge e começa a preocupar o homem de letras, ele
afasta-se do meio social e então as discussões literárias passam para o
âmbito das universidades.
|
|
“[...] a crítica e a teoria literárias
estudadas nos meios acadêmicos têm papel fundamental na definição de
literatura e nas possibilidades e restrições das leituras literárias.” (p28)
|
|
Os professores e especialistas em
literatura é quem decidem se uma obra literária é boa ou não. Se tais
especialistas dizem que um livro é bom e é tido como literatura, este já
passa a fazer parte de um rol literário definido por outros especialistas na área,
sem levar em conta se o livro é conhecido por todos ou se já foi lido várias
vezes. Por outro lado, obras que já foram lidas muitas vezes e que já
encantaram e emocionaram muitas pessoas, não são tidas como literatura. ABREU,
Márcia. Diz: “se tantas pessoas os
compram e lêem é porque julgam que são produções literárias de alto valor, ou
porque se divertem e se emocionam ao lê-los. Entretanto [...], a opinião de
professores e intelectuais sobre eles não é das melhores. Quando se trata dos
melhores livros do século, os eruditos esforçam-se para lê-los e, sobretudo,
para ter o que dizer sobre eles, pois isso é sinal de distinção e os coloca
no topo da intelectualidade.” p18 (itálico
nosso) Os “livros do século” citados por ela são os definidos como difíceis
(de difícil compreensão) e que foram lidos por poucas pessoas, ou somente
pelas intelectualizadas.
|
|
“[...] pode-se questionar até que
ponto as discussões literárias chegam ao público leitor. Quem se importa,
além de professores universitários e seus alunos, se um personagem é plano ou
redondo, se a narrativa é homo ou heterodiegética, qual seria uma leitura
psicanalítica de um conto ou desconstrutivista de um poema? Em quê essa
leitura literária “profissionalizada” contribui para a sociedade?”. (p26)
|
|
A autora não oferece uma definição para
literatura, pois como foi explanado neste capítulo, o termo de literatura
passou por diversas definições ao longo do tempo, modificava-se conforme o
contexto histórico em que estava inserido. Dessa forma, a análise da
estrutura, personagens e demais termos técnicos do texto literário estudados
em sala de aula não interessam a quase ninguém, mas as histórias lidas sem
nenhum caráter técnico possibilitam aos leitores a criação de novas histórias
e, por conseguinte, outras formas de se enxergar o mundo.
|
REFERÊNCIAS
ABREU, Márcia.
Literatura, leitura e cultura. In:______ Cultura Letrada: Literatura e Leitura/
Márcia Abreu. - São Paulo: Editora UNESP, 2006, p11-41.
CULLER, Jonathan. O que
é Literatura e tem ela importância? In:________ Teoria Literária: uma
introdução. São Paulo: Beça produções culturais Ltda., 1999, p26-47.
Obrigada por compartilhar seus conhecimentos.
ResponderExcluir